Quando chegamos ao albergue fomos recepcionados com um chá. Achei bem legal isso, ficamos de papo na sala da recepção, que era bem legal. O albergue ficava na parte antiga da cidade, parecia bem tradicional. Já ali começamos a usar a internet para buscar as informações sobre a fronteira.
Também conversamos com o recepcionista que nos falou dos horários da fronteira e sobre distância, tempo de viagem e preço dos trechos que estávamos interessados. Vimos que a fronteira que queríamos utilizar estava aberta até às 21hs e a outra, de fato, estava aberta somente até às 12hs. Logo chegamos a conclusão que utilizaríamos a outra fronteira, nosso motorista provavelmente havia se enganado, e como havíamos já contratado todo o serviço, ele não teria problemas em cumprir com o combinado. Deixamos para avisá-lo somente na manhã seguinte.
Saímos a noite para comer algo. Fomos a uma rua chamada Rainbow street que fica numa parte mais alta da cidade, mas bem perto do albergue. Na rua havia muitos restaurantes e lojas e um movimento incrível de carros passando por lá. Muitas cidades tem esse tipo de rua.
Caminhamos pela rua inteira para ver todas as opções que tínhamos. A rua era bem conservada, com o piso de pedras bem certinhas e a calçada recém reformada. Bem diferente da parte baixa da cidade na qual estávamos, onde tudo era mais sujo e mal conservado.
As ruas na parte da cidade em que nosso albergue ficava eram velhas, não havia faixas separando as pistas para os carros, sinal de trânsito, vi pouquíssimos em toda a viagem. Para atravessar a rua, apenas nos atirávamos na frente dos carros. Logo na noite que chegamos vimos duas pessoas discutindo fora do carro e se empurrando, até que chegou um guarda que apartou a iminente briga.
Primeiro comemos um falafel na rua, que é bem diferente do que os que comi aqui. Pedimos Pepsi para beber, que com o sotaque árabe fica bebsi, já que eles não tem o fonema p na língua deles.
Depois de comer o falafel, que não tinha dado nem para a entrada fomos para um restaurante pelo qual passamos e vimos que tinha música ao vivo. Tinha um camarada cantando, um tocando teclado e um outro que fazia um backing vocal. De vez em quando alguém se arriscava em cantar.
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Três pratos diferentes. |
O garçom nos pôs em frente ao trio, típica maneira de tratar turistas! O cantor estava produzido no melhor estilo, sapato de couro, calça jeans, camisa social dobrada e o cabelo, um pouco mais comprido, meticulosamente ajeitado com gel. Ele tinha todo o jeito de galã espanhol. Se movimentava entre as mesas, sorria, dava tchau, perguntava se tudo estava bem. Até nos perguntou se queríamos alguma música.
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O cantor figura. |
A maneira como ele cantava as músicas era bem engraçada. Todas as músicas me soavam bem parecidas. As músicas árabes são diferente das ocidentais em alguns aspectos. Primeiro notei que todas elas eram bem mais longas, com no mínimo uns 10 minutos de extensão, depois havia um claro diálogo entre a melodia que fazia o cantor e o que respondia o teclado, flauta, violão ou seja qual instrumento fosse o principal da música.
A outra diferença bem notada era que normalmente as palavras eram bem alongadas, com o cantor passeando pelas sílabas subindo e descendo a escala. Bem diferente da maneira de cantar que eu estou habituado. O resultado é curioso para quem nunca ouviu música árabe "de raiz".
Perguntamos o que comer e o garçom nos sugeriu dois pratos e no fim trouxe três sem cobrar pelo último. Comida fartíssima e muito gostosa. Todos os pratos que pedimos tinham como base o hummus. Achei um deles especialmente gostoso, com carne e uma semente, que deixava a combinação crocante. No cardápio sequer havia bebidas alcoólicas.
Mas a narguila estava presente em todo o ambiente e havia um garçom dedicado a passear com um balde com brasas para alimentar o fogo de todos as narguilas. Ele inclusive acendia a narguila dos músicos, num ritual curiosíssimo. Ele fumava acumulando uma quantidade de fumaça em sua boca e em seu entorno, parecendo até um dragão baforando uma quantidade enorme de fumaça.
Além destas atribuições, também o vi balançando o balde com as brasas, num movimento de pêndulo com o braço. O movimento era amplo e ele fazia bem perto dos clientes, fiquei um pouco preocupado com a habilidade dele e se de fato ele conseguiria não deixar tudo cair e queimar tudo em volta. Felizmente ele provou ser bem habilidoso.
Após a fartura gastronômica e cultural, achamos que já era hora de dormir para o dia seguinte, afinal tínhamos Amã, Jerash e ainda uma conversa matinal com o nosso motorista, na qual ele poderia ficar nada feliz de ter que de fato cumprir a programação.
Ligamos o ar-condicionado e fomos dormir, infelizmente o ar não funcionou toda a noite e por isso acordei diversas vezes. Não dormi durante a noite e ainda acordei mais cedo. Desci para tomar café antes dos outros dois, quando todos estávamos prontos, fiquei incumbido de ligar para o motorista e dar a má notícia. Percebi que ele estava dormindo, ele esboçou não fazer todo o caminho e argumentei do preço, do dia de folga que demos para ele no segundo dia, falei das distâncias, falei que havíamos mostrado o caminho. Ele não discutiu e concordou com a nossa hora.
Fomos visitar Amã. Na noite anterior, chegamos no albergue por volta de 1h da manhã, e vimos tudo aberto, muita gente na rua. De manhã foi ao contrário, às 8hs não havia ninguém na rua. Depois eu cheguei a perguntar se isso era por conta do Ramadã, mas me disseram que esse é o ritmo de vida por aqui. Fico imaginando se pelo calor, se somente no verão, mas achei diferente e válido.
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A rua do albergue. |
O que havíamos visto no trânsito em toda a Jordânia era mais evidente aqui na capital. Nas ruas não havia faixas dividindo as pistas, aqui pelo menos os carros seguiam na mesma direção e não como na estrada que não havia maneira de saber quantas faixas vinham de cada lado.
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Galeria em Amã. |
Sinal de trânsito, se vi dois na capital foram muitos. E os respeitados eram os próximos à estradas ou ruas de movimento. As pessoas atravessavam em todos os lugares e em várias partes vendedores ficavamo na rua, em frente às suas lojas. As feiras chegavam ao asfalto.
Eu que achava que Israel era um país árabe pude ver que eu estava completamente enganado. Israel tem a cultura muito mais ocidental do que a Jordânia em relação à vários aspectos. Obviamente guarda alguma proximidade com a cultura dos outros países árabes, já que metade da população veio de países com essa cultura.
Pertíssimo do nosso albergue ficava a principal mesquita da cidade, o shouk (feira), comércios e ainda a cidadela romana e o anfiteatro. Começamos o dia visitando o anfiteatro que é enorme. Depois subimos a escadaria para chegar à cidadela. Os prédios eram bem velhos e deteriorados nessa parte da cidade, as leis de trânsito pareciam não se aplicar e para atravessar a rua, usamos o velho método de caminhar como se não víssemos os carros.
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O anfiteatro desde um mirante na subida para a cidadela romana. |
A cidadela romana tinha algumas construções bem conservadas como o palácio Ummayad, e diversas ruínas. A visita foi legal porém curta, logo voltamos para fazer algumas compras. Eu não gosto dessa cultura de ter de negociar tudo para baixar o preço. Eu gosto de pagar o preço justo, e não um preço que em princípio é mais alto do que eu deveria pagar.
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Duas colunas do antigo templo de Hercules na cidadela. |
No caminho vimos lojas que vendem aquela ponta de metal que ficam em cima das mesquitas, em forma de meia lua, ou o famoso crescente islâmico. Vimos açougues e pela primeira vez provei tâmara fresca. A que provei tinha a cor abóbora e no início ela tem uma cica que adstringe a boca mas depois fica bem doce. Foi a primeira vez que tinha provado na vida. Fiquei satisfeito porque queria levar para o meu avô e agora sabia exatamente o que procurar em Israel.
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Loja de objetos feitos de metal em Amã. |
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Venda do topo das mesquitas. |
Achamos o nosso motorista, fechamos a conta no albergue e entramos no carro. Explicamos detalhe por detalhe o plano para não ter erro, ele pôs o carro em movimento e fomos procurar um banco para sacar dinheiro. Depois ele foi para um ponto de táxi, perguntei do que se tratava e ele nos explicou que não podia nos levar até a fronteira porque ele não tinha a permissão, só os carros brancos.
Ele nos levou a um outro motorista. Negociamos os dois motoristas e eu. Até que eu fechei um preço que achei justo, ele pagaria a parte restante do que fechamos e nós pagaríamos mais 30 dinares. Se não ter alugado um carro nos ajudou pois tinhamos um guia e um intérprete, por outro lado nos trouxe esses probleminhas. Gastamos mais dinheiro do que o planejado inicialmente, mas tivemos mais conforto em contrapartida.
O novo motorista tinha um carro bem melhor que o anterior, mas não gostava de ligar o ar. Aliás, ninguém gosta muito de ligar o ar por essas áreas, ou até gostam, mas não gostam de gastar combustível. A Jordânia não tem o combustível tão barato, já que não é produtora.
O caminho até Jerash foi interrompido por uma parada no meio da estrada para um café. Eles realmente tomam café em todas as oportunidades. Nosso motorista, assim como todos que encontramos na Jordânia, fazem questão de receber bem as visitas, no caso, os turistas. Essa receptividade é algo da cultura árabe que eu acho muito legal.
Assim que chegamos à Jerash vimos uma incrível entrada, o portão de Adriano. Enorme, imponente e muito bonito. O calor que fazia era altíssimo. Em menos de 5 minutos de caminhada eu já estava pingando. A cidade era grande e havíamos combinado somente duas horas com o nosso motorista.
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Portão de Adriano. |
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A rua com colunas dos dois lados. |
A cidade tinha várias construções bem conservadas. Dois anfiteatros (como os romanos gostavam de teatro), diversos templos religiosos, ruas pavimentadas com colunas dos dois lados, casa de banho pública, ágora (que curiosamente era usada como feira e não como local para debates públicos) e uma praça oval. O piso das igrejas guardavam desenhos bem legais e as ruas conservavam as pedras ainda.
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A praça oval à esquerda e o templo de Zeus à direita.
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Voltamos com meia hora de atraso, mas o motorista foi legal e não reclamou nada. Porém, ao longo da viagem, nos perguntou novamente qual o posto de fronteira. Parecia que ninguém estava habituado a levar turistas para lá.
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Um dos anfiteatros de Jerash. |
Durante a viagem percebi que ele estava xingando o nosso outro motorista. Acho que ele não gostou do preço no final das contas. Depois desse táxi, tivemos de pegar um táxi de 1 dinar para chegar até o posto de fronteira propriamente dito e esse era o único tipo de táxi que pode entrar e nos levar até lá.
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O piso bem conservado de uma das diversas igrejas de Jerash. |
Depois de pagarmos pela saída da Jordânia, num lugar que não podíamos entrar com malas, tivemos de pagar um ônibus para atravessar a fronteira. Entramos no ônibus, entrou um policial jordaniano, conferiu se todos haviam pago pela saída, depois entrou um policial israelense e conferiu os vistos. O processo todo durou uns 40 minutos. O ônibus cruzou uma cancela e saltamos. Esse foi o processo de fronteira mais ridículo que já vi.
Mas ainda não tinha acabado, depois disso, nos dirigimos ao posto israelense. Dessa vez duas máquinas de raio-x. Esperamos pacientemente na fila, quando chegou minha vez, respondi às questões em hebraico para a senhorita. O José me falou que já nessa hora viu ela piscando para trás indicando que eu deveria ser revistado.
Ela me indicou um banco para sentar, sentei e aguardei. Minhas duas mochilas estavam com ela. Depois de uns 5 minutos um camarada pediu para eu entrar numa sala e me revistou, pediu para eu tirar o tênis e conferiu o tênis e minha sola.
Depois voltei para a esteira, a mulher pediu para examinar minha mochila, abriu, verificou o que queria, botou tudo no lugar, fechou e me disse que eu podia seguir. Minha outra mochila já estava com o Tobias. Depois disso, fui para o guichê para pegar o carimbo de entrada. Novamente o cara examinou tudo, fez perguntas, por fim ele carimbou o passaporte.
Agora, já em Israel, precisávamos de um táxi para sair da fronteira e chegar à Beit Shean. Pegamos um táxi. Na rodoviária não achamos ônibus para Heifa ou Tel Aviv, pegamos um para Afula. Finalmente de Afula peguei um ônibus para Tel Aviv. Chegamos à fronteira por volta de 16hs, cheguei em Tel Aviv 22:30hs. Achei demasiada a jornada para tão pouco espaço físico.
A viagem me mostrou várias coisas. Mostrou no início que qualquer adversidade pode ser vencida, não só pelo conhecimento, expressado em tomar o chá quente no deserto também quente, mas também esse ensinamento veio na forma do coreano que vinha pedalando desde o extremo oriente e estava no meio do deserto.
Também aprendi que não importa o quão forte uma civilização pode ser, se ela não respeitar seus contemporâneos, só ficaram para trás edifícios e alguns conhecimentos, ela não vai continuar. E vi também que Israel, apesar de estar no Oriente Médio não guarda tantas semelhanças com os países árabes como eu pensava.
O desafio de estar num país em que a religião predominante está em conflito com o Estado Judeu me deixou um pouco preocupado, mas mostrou também que as pessoas podem realmente conviver e até criarem algum afeto, se perseverarem no intuito de estarem juntas na jornada da vida.